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JANEIRO BRANCO: O QUE EU POSSO FAZER ?



Janeiro Branco: o que eu posso fazer?

Recentemente eu estava na Igreja do Bonfim, lá onde vamos reverenciar Oxalá, e eu, como de costume, fui escrever no “livro dos pedidos". Aguardei um pouco distante para esperar a pessoa que estava delicadamente depositando seus pedidos naquele livro sagrado. Ai vem o tal de olhar de professora - pesquisadora ... Aquele senhor (até hoje sinto por não ter perguntado o seu nome) l i t e r a l m e n t e d e s e n h a v a sem muita destreza ao segurar a caneta com seus dedos grossos, unhas compridas e sujas, os números, aos pares, separava por hífen e assim, fez algumas linhas. Como ele escrevia lentamente quase desisti de fazer meus pedidos naquele dia (síndrome da impaciência). Mas acabei esperando alguns minutos e comecei a observar aquele senhor que estava descalço, tinha pés com muitos calos e com feridas em aberto. Tinha cabelos e barba por fazer, vestia uma roupa escura e com odor forte, muito diferente da Alfazema que lava as escadas da Igreja do Bonfim, e carregava consigo uma pequena sacola.

Quando ele terminou de desenhar os números, levantou e saiu. Eu ajoelhei e comecei a escrever ansiosamente os meus pedidos e, quando me pus de pé, percebi que ele se aproximava e perguntou se eu poderia escrever uma coisa para ele. Eu acenei com a cabeça. Então, ele passou a página onde estavam os seus números, começou a ditar 3 nomes femininos e 1 nome masculino e disse: “São os nomes das minhas três irmãs e o meu nome”. Eu não resisti e perguntei sobre os números e ele respondeu: “São as datas importantes da nossa vida. Como eu não sei escrever as letras, eu fiz os números e assim o Senhor do Bonfim saberá o que é. Mas não queria ir embora sem escrever os nomes porque essas datas também podem ser importantes para mais alguém e como ele saberia que são as minhas datas?!”

Tive uma vontade danada de alongar aquela miniconversa, mas entendi que a minha contribuição seria infinitamente pequena diante da aula de comunicação e letramento que acabara de presenciar. Em um país com dinastia-tirania de Severino’s que em 2017 ocupa 79º lugar no ranking do IDH[1]; 2016 aparece em 83º no ranking da educação básica, sendo que apenas 8%[2] da população brasileira é plenamente capaz de entender e interpretar textos e números, estando, assim, completamente alfabetizada. Ao mesmo tempo, somos a oitava economia mundial. Esses números que ecoam e parecem ofuscar a visão no imaginário social e subjetivo simbólico que versa sobre a nossa saúde mental.

EIS QUE CHEGA JANEIRO, MAS E AÍ?

Dezembro parece ser aquele mês em que contamos os dias para acabar o ano l i t e r a l m e n t e , mas por quê?

  1. Porque queremos comemorar o dia 01 de janeiro do Dia Mundial da Paz, proposto em 08 de dezembro de 1967 pelo então Papa Paulo VI, iniciando as comemorações a partir de 1968 sob título de sermos “Verdadeiros amigos da Paz”. Bom, pelas contingências de violências e violações de direitos e respeitos, percebemos que em verdade não temos nenhum dia de paz.

  2. Porque queremos nos livrar desses 12 meses anteriores onde vivemos descontentamentos no cotidiano, ao que Freud chamou de “Prazer e desprazer” e por isso queremos então mais 12 meses para esta “à procura da felicidade” referência ao filme épico em que nos inspiramos em dificuldades para valorizar a suposta felicidade. Mas achamos a felicidade nos anos que vivemos até agora? (resposta mental).

  3. Porque simbolizamos conjunturas das nossas próprias condições psíquicas e existenciais para estabelecer novas metas e desejos, muitas vezes as mesmas que já premeditamos em ano anteriores, mas que as nossas impotências existenciais e circunstanciais nos impediu ou nos boicotou.

Assim, em todos O’s janeiro’s queremos renovar a “Esperança” infinita e ao mesmo tempo íntima sobre os nossos desejos, emoções e anseios para um projeto de felicidade. Uma boa inspiração para começar janeiro pode ser conhecer a história de Pandora guardiã que nos ensina uma infinidade de outras realidades de nós mesmos e que, mesmo tão próxima e íntima, muitas vezes não a percebemos. Porque as nossas vidas virtuais-paralelas à nossa existência nos impedem de ver e de sentir.

A Campanha Janeiro Branco consagra a evidência dos temas da Saúde Mental para a prevenção ao adoecimento emocional da humanidade, ou seja, uma psicoeducação das pessoas e das instituições, agenciando a Saúde Mental. E nós precisamos falar sobre isso porque, atualmente, somos uma sociedade líquida, como definiu nosso saudoso Bauman, na medida em que substituímos abraços e afetos por emojis e posts para representar as nossas ações virtuais.

Essa campanha “Janeiro Branco” foi originada pelo psicólogo Leonardo Abrahão junto com outros psicólogos de Minas Gerais, em 2013, e foi inspirada ao que ocorre com o Setembro Amarelo – para prevenção do suicídio; Outubro Rosa – combate ao câncer de mama e Novembro Azul – combate ao câncer de próstata.

A companha foi movida no conceito do ser humano, biopsicossocioespiritual, modelo transdisciplinar criado na década de 1970 pelo psiquiatra George L. Engel. Outra mobilização para a jornada Janeiro Branco foi poema Receita de Ano Novo, de Carlos Drummond de Andrade.

RECEITA DE ANO NOVO "Para você ganhar belíssimo Ano Novo cor do arco-íris, ou da cor da sua paz, Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido (mal vivido talvez ou sem sentido) para você ganhar um ano não apenas pintado de novo, remendado às carreiras, mas novo nas sementinhas do vir-a-ser; novo até no coração das coisas menos percebidas (a começar pelo seu interior) novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota, mas com ele se come, se passeia, se ama, se compreende, se trabalha, você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita, não precisa expedir nem receber mensagens (planta recebe mensagens? passa telegramas?) Não precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-las na gaveta. Não precisa chorar arrependido pelas besteiras consumadas nem parvamente acreditar que por decreto de esperança a partir de janeiro as coisas mudem e seja tudo claridade, recompensa, justiça entre os homens e as nações, liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, direitos respeitados, começando pelo direito augusto de viver. Para ganhar um Ano Novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente. É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre."

Carlos Drummond de Andrade , "Receita de Ano Novo". Editora Record. 2008.

A finalidade da campanha é promover a Saúde Emocional nas nossas vidas, de todos os indivíduos que compõe a humanidade, com táticas e estratégias políticas, sociais e culturais para que o adoecimento emocional seja prevenido e cuidado por todos nós cidadãos com mobilizações e reflexões, ofertando acolhimento às pessoas que estão em sofrimento emocional seja com palavras, gestões ou ações que às vezes pode ser escrever apenas um nome no Livro dos pedidos do Senhor do Bonfim.

Chegou 2018. "E para onde eu vou? Para onde o meu conhecimento me levar”.

Os 5 objetivos da Campanha Janeiro Branco:

  1. Fazer do mês de Janeiro o marco temporal estratégico para que todas as pessoas e instituições sociais do mundo reflitam, debatam, conheçam, planejem e efetivem ações em prol da Saúde Mental e do combate ao adoecimento emocional dos indivíduos e das próprias instituições;

  2. Chamar a atenção de todo o mundo para os temas da Saúde Mental e da Saúde Emocional nas vidas das pessoas;

  3. Aproveitar a simbologia do início de todo ano para incentivar as pessoas a pensarem a respeito das suas vidas, dos seus relacionamentos e do que andam fazendo para investirem e garantirem Saúde Mental e Saúde Emocional em suas vidas e nas vidas de todos ao seu redor;

  4. Chamar a atenção das mídias e das instituições sociais, públicas e privadas, para a importância da promoção da Saúde Mental e do combate ao adoecimento emocional dos indivíduos;

  5. Contribuir, decisivamente, para a construção, o fortalecimento e a disseminação de uma “cultura da Saúde Mental” que favoreça, estimule e garanta a efetiva elaboração de políticas públicas em benefício da Saúde Mental dos indivíduos e das instituições.

[1] Ranking mundial de desenvolvimento humano, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2017).

[2] INDICADOR DE ALFABETISMO FUNCIONAL – INAF. Estudo especial sobre alfabetismo e mundo do trabalho. 2016. Disponível em <http://acaoeducativa.org.br/wp-content/uploads/2016/09/INAFEstudosEspeciais_2016_Letramento_e_Mundo_do_Trabalho.pdf> Acesso em 17 dez 2017.

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